terça-feira, 7 de julho de 2015

«Carta aos amigos mortos»


Carta aos amigos mortos

"Eis que morrestes – agora já não bate
O vosso coração cujo bater
Dava ritmo e esperança ao meu viver
Agora estais perdidos para mim
– O olhar não atravessa esta distância –
Nem irei procurar-vos pois não sou
Orpheu tendo escolhido para mim
Estar presente aqui onde estou viva
Eu vos desejo a paz nesse caminho
Fora do mundo que respiro e vejo
Porém aqui eu escolhi viver
Nada me resta senão olhar de frente
Neste país de dor e incerteza
Aqui eu escolhi permanecer
Onde a visão é dura e mais difícil


Aqui me resta apenas fazer frente
Ao rosto sujo de ódio e de injustiça
A lucidez me serve para ver
A cidade a cair muro por muro
E as faces a morrerem uma a uma
E a morte que me corta ela me ensina
Que o sinal do homem não é uma coluna"


Sophia de Mello Breyner Andresen,
Livro Sexto


[1962]. Obra poética. Edição definitiva de Maria

Andresen de Sousa Tavares e Luis Manuel Gaspar. Lisboa: Caminho, 2003.

https://youtu.be/zjK7HfFZeh8

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