domingo, 6 de dezembro de 2015

Miles Davis - Kind of Blue - 1959


 Existe uma arte visual japonesa na qual o artista é obrigado a ser espontâneo. Com um pincel especial e tinta preta, ele deve pintar sobre um fino pergaminho esticado, de tal maneira que uma pincelada não natural ou interrompida virá a destruir a linha ou romper o pergaminho. Apagar ou fazer modificações é impossível. Tais artistas devem praticar um tipo especial de disciplina, que permite que a idéia se expresse na comunicação com as mãos tão direto que o pensamento não interfira. Os quadros que resultam não possuem a composição e as texturas da pintura usual, mas diz-se que aqueles que olham bem encontram algo capturado ali que desafia explicações. Acredito que essa mesma convicção, de que a ação direta constitui a reflexão mais significativa, impulsionou a evolução das disciplinas extremamente severas e únicas do jazzista ou do músico improvisador. A improvisação em grupo coloca um desafio a mais. À parte o problema técnico de pensar coletivamente de modo coerente, existe a necessidade muito humana, social até, de que a simpatia por parte de todos os integrantes se coadune em prol de um resultado comum. Penso que esse difícil problema é lindamente abordado e solucionado nesta gravação. Assim como o pintor precisa do referencial da tela, o grupo de improvisação musical precisa de um referencial no tempo. Miles Davis apresenta aqui referenciais que são de suma simplicidade, e contudo encerram tudo aquilo que é necessário para estimular a execução, preservando a referência à concepção inicial. Miles concebeu esses esquemas apenas algumas horas antes das sessões de gravação, e chegou com esboços que indicavam ao grupo o que deveria ser tocado. Portanto, nestas execuções, você irá escutar algo que está próximo da pura espontaneidade. O grupo nunca havia tocado estas peças antes da gravação, e creio que, sem exceção, a primeira interpretação completa de cada uma foi formada como um “take”. Embora não seja incomum esperar que o músico de jazz improvise sobre material novo numa sessão de gravação, o caráter destas peças coloca um desafio especial. De maneira breve, o caráter formal dos cinco esquemas é o seguinte: “So What” é uma figura simples, baseada em 16 compassos numa escala, 8 em outra e mais 8 na primeira, após uma introdução de caráter ritmicamente livre com piano e contrabaixo. “Freddie Freeloader” é uma forma de blues de 12 compassos que ganha uma personalidade nova através de uma efetiva simplicidade melódica e rítmica. “Blue In Green” é uma forma circular de 10 compassos, que se segue a uma introdução de 4 compassos, e que é tocada pelos solistas com diversos aumentos e diminuições dos valores temporais. “Flamenco Sketches” é uma forma de blues de 12 compassos em 6/8, que gera seu clima através de umas poucas mudanças modais e da concepção melódica livre de Miles Davis. “All Blues” é uma série de 5 escalas, cada uma podendo ser tocada pelo solista durante o tempo que ele desejar, até que tenha completado a série. 

 William John Evans

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