sábado, 20 de junho de 2015

“ESTÁ DE ANANASES!”


 
(...)Assim fiquei só com Fradique – que me convidou a subir aos seus quartos, e esperar Vidigal, bebendo uma “soda e limão”.
Pela escada, o poeta das “Lapidarias” aludiu ao tórrido calor de Agosto. E eu, que nesse instante, defronte do espelho no patamar, revistava, com um olhar furtivo, a linha da minha sobrecasaca e a frescura da minha rosa, deixei estouvadamente escapar esta coisa hedionda:
- Sim, está de escachar!
E ainda o torpe som não morrera já uma aflição me lacerava por esta chulice de esquina de tabacaria, assim atabalhoadamente lançada como um pingo de sebo sobre o supremo artista das “Lapidarias”, o homem que conversava com Hugo à beira-mar!...
Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova. Nada! Só me acudiam sordidezes paralelas, em calão teimoso: - “é de rachar”!, “está de ananases”!, “derrete os untos”!
Atravessei, ali, uma dessas angústias atrozes, grotescas, que, aos vinte anos, quando se começa a vida e a literatura, vincam a alma e jamais se esquecem.”


 Eça de Queiroz, em “Correspondência de Fradique Mendes”

Sem comentários:

Enviar um comentário