Maria Velho da Costa — Maria Agustina, a trânsfuga
Não tem fito, não tem medo.
Vem em direcção ao olhar que a revê.
Pequena, cantarolante e abanando a saia, debaixo das estrelas que esmorecem. A lua desmaia, o alfange comido pelos rubores da aurora. Ela pára, aponta, abre a boca para dizer lua e vêem-se os dentes de rato, o riso de todas as palavras.
Tem quatro palmos de tamanhinha e vem só.
O vestido está desabotoado nas costas, os sapatos de verniz de presilha, os preferidos, vão soltas chancas a brilhar no relento da manhã. Atrapalham, mas não impedem. Os olhos apertados de botão-azeviche são só sorriso ufano, a quatro palmos do chão na cara cor de rosa-chá.
Tem três anos de idade e fugiu de casa.
Não é amuo, é o desconchavo do mundo o que a faz vir.
Diz ao sol subinte, esmerei-me, esmerei-me, ó medronho, ninguém me viu sair. Nem criada, nem ama, nem mãe.
Lá vem ela, no carreiro ermo, no plaino pedregoso, a que não terá contemporâneos.
Move-a o amor frio, a cabeça quente do poderio da terra. Não traz cuecas. Abre as pernas, ainda de roscas roliças, para uma pocinha escura. Triunfa, menina total e raciocinante.
Vibra e caminha, humaníssima.
Diz ao céu que se acende: amaldiçoa-me, mas deixa-me ser livre. E assim foi.
Maria Velho da Costa
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