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quarta-feira, 22 de julho de 2015

EVITAR:

EVITAR:

a tentação de ser o primeiro,
a não ser que haja batota,
a crença em que ser o último é destino,
ou que, salvo pela campainha,
deveria viver-se em conformidade
com ela; a nostalgia:
as árias do passado tocadas
na mesma sanfona, agora temperada
pelo esquecimento; funâmbulos
com vocação para chorar,
amigos que a tarde desaconselha
ou a conversa desiste; aceitar,
como benévolas as virtudes do Capital;
apostar que a miséria dos pobres
é preferível á opulência
dos ricos e que há maneiras
de remediar; cumprir a marcação
de consultas que garantam
morrer saudável; a piedade,
a contrição, o pecado original;
qualquer ajuntamento que pareça
uma igreja e se tal
for impossível, cantar
na missa; os sinais de trânsito,
a benevolência da polícia, gatos
que se enroscam nas pernas,
a descoberta de livros por ler
na traseira das estantes, a ambição
serôdia de uma carreira de pianista
e da falta que os aplausos
fizeram; cães que rosnam.


José Alberto Oliveira, In "Como Se Nada Fosse"

«como se nada fosse»

 
"Quando percebemos que a vida
é um calafrio na imensa apirexia
que a rodeia — quinze lustros graças
à higiene e à penicilina (e ninguém
assegura tratar-nos a febre)...

temos de reconhecer como é grande
a nossa malícia — exigir a cada dia
que outro lhe suceda e agradecer
o mal que nos atinge e a desdita
que nos ampara, acordar sem jeito
e adormecer sem mágoa,
como se nada fosse."


José Alberto Oliveira, "Como Se Nada Fosse"
(Assírio & Alvim), 2015