O que me impeliu foi o tema da harmonia que
nasce apenas do sacrifício, da dupla
dependência do amor. Não se trata de
amor mútuo: o que ninguém parece entender é que o amor só pode ser unilateral, que não existe outra
espécie de amor, que, sob qualquer outra
forma, não é amor. Se não houve entrega
total, não é amor. É impotente, e no momento, é nada. Acima
de tudo, estou preocupado com o indivíduo capaz de sacrificar a si mesmo e a seu modo de vida — sem
se preocupar em saber se sacrifício é
feito em nome de valores espirituais,
pelo bem do próximo, para sua própria salvação, ou em nome de tudo isso. Tal comportamento
exclui, por sua própria natureza, todos
aqueles interesses egoístas que
constituem uma base lógica "normal" para a ação; recusa as leis de uma visão de mundo materialista.
(...) Parece-me que, actualmente, o indivíduo se
encontra em uma encruzilhada,
confrontado com a opção de uma existência fundamentada num consumismo cego, sujeito ao
avanço inexorável da nova tecnologia e à
infinita multiplicação dos bens
materiais, ou, então, de buscar um caminho que conduza à responsabilidade espiritual, um
caminho que, enfim, pode significar não
apenas a sua salvação pessoal, mas também
a salvação da sociedade como um todo; noutras palavras, voltar-se para Deus. Esse é um problema
que ele tem que resolver sozinho, pois
só a ele cabe descobrir uma vida
espiritual equilibrada para si mesmo. Ao resolvê-lo, ele pode aproximar-se do estado em que pode ser
responsável pela sociedade. Este é o
passo que se transforma num sacrifício,
no sentido cristão de auto-sacrifício.
Andrei Tarkovsky em "Esculpir o tempo".
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